Eu encontráva-me no automático, como na maior parte do tempo, apenas sendo uma simples telespectadora do meu próprio corpo. As vezes fica difícil pensar, mesmo estando livre de ordens. Muitas vezes desejava não ter mais consciência, mas temia que não ficaria viva se me revelasse.
Mas ocorreu algo inesperado que tirou-me do modo automático. O desfile terminou como sempre, mas o alto falante chamou:
--- Unidade 89, vá para o vestiário três, Unidade 96, siga para a enfermaria.
A ordem me deixou em pânico. Eu sabia que em algum momento eu seria selecionada no desfile, mas esperava que esse dia nunca chegasse.
Dirigi-me para a enfermaria, tentando fazer minhas pernas tomarem outro rumo, mas o único pensamento que conseguia ter era de ir para a enfermaria, onde supostamente eu encontraria a doutora.
Apresentei-me a doutora que já me aguardava. Ela gentilmente pediu que eu deitasse numa das macas. Eu queria sair correndo, mas mesmo um pedido educado força meu pensamento para executá-lo.
Minha visão periférica percebeu que ela preparava uma injeção que logo aplicou no meu braço. Colocou a mão sobre minha cabeça e falou:
--- Sei que você não pode me compreender, mas eu queria que me perdoasse. Eu sabia o que lhe aconteceria, devia ter feito mais para evitar, mas não consegui. Um dia nós nos amamos e trabalhamos juntos para a Organização, mesmo eu sabendo qual seria o seu destino no final do projeto. Espero que de algum modo você tenha encontrado a felicidade, para mim só restou arrependimento.
Meu corpo tinha se tornado muito pesado. Percebi que tinha sido sedado, talvez estivesse morrendo, eu não sabia. As últimas palavras que escutei foram:
--- Você está liberado dos protocolos de segurança.
***
Acordei sentindo-me fraco. Meus pensamentos demoraram um pouco para ficarem claros e a percepção do meu corpo retornou aos poucos.
Consegui abrir os olhos um pouco, mas a luz o machucou. Na segunda tentativa consegui perceber que eu me encontrava numa sala médica, mas não era a enfermaria.
Aos poucos senti que existiam ataduras na parte inferior da minha barriga ou no meu pinto. Preferi não me mexer, temendo estar sendo observada.
Estava difícil permanecer acordada e voltei a dormir. Eu estava viva e isso já era suficiente no momento.
***
Fui despertada por duas mulheres conversando e abri um pouco os olhos. Já me sentia muito mais forte e aguardei com os olhos abertos, na esperança de descobrir algo. Eu sentia meus pensamentos nítidos como a muito tempo não sentia. Não tardou que uma das mulheres falou:
--- Permaneça deitada e fique calma. Vou pedir para a doutora examiná-la.
As palavras da mulher não soavam como ordens dadas a uma unidade, mas meus pensamentos ficaram focados em ficar deitado e calmo.
Algum tempo depois e uma mulher de branco, que não era a doutora que eu conhecia, descobriu um lençol que me cobria e começou a mexer na minha cintura. Percebi que as grossas ataduras já não existiam mais. Depois de um tempo a nova doutora perguntou:
--- Você sente dor?
--- Não.
Eu detestava quando minha voz respondia uma pergunta de forma mais rápida que meu pensamento. Isso me deixava muito vulnerável.
A mulher apalpou-me mais um pouco e falou para outra pessoa que estava na sala fora do meu campo de visão:
--- A cirurgia foi um sucesso, mais uma semana e ela deve ter alta. Fazia tempo que não via uma unidade tão perfeita.
Eu não sabia o que tinham feito no meu corpo, mas descobri no mesmo dia. Aquele pinto flácido e não funcional que eu carregava já era uma lembrança do passado. Uma vagina foi construída no seu lugar.
A cada dia eu me tornava mais forte. Os exercícios para definição da abertura de minha nova vagina eram realizados várias vezes ao dia usando uma grande prótese peniana.
Não descobri onde eu me encontrava, mas os alimentos eram bem diferentes do Complexo e os rostos todos novos, o que me levou a crer que eu estava em outro local. Mas os remédios aparentemente eram os mesmos e outros foram acrescentados.
Contei nove dias até que a médica, após me examinar por algum tempo, disse:
--- Você já está perfeita para seus novos proprietários.
Eu fiquei com medo, mas precisava aguentar e manter a calma. Uma chance de fuga viria, agora que eu estaria longe do Complexo.
Continua...
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