Eu não conseguia dormir. A ideia de retornar a minha vida anterior não saia dos meus pensamentos. A cada momento eu conseguia recordar de mais situações que tinham sido completamente afastadas da minha memória.
A minha ligação com Duque deveria estar extremamente fraca, ou o mesmo já teria percebido as minhas intenções ou que algo estava errado.
Com cuidado e em silêncio levantei da cama e caminhei no escuro até a porta. Suzana dormia profundamente e Duque não estava a vista. Por enquanto esse simples ato ainda não me prejudicaria, mesmo que eu fosse pega.
Desci as escadas e segui silenciosamente para a cozinha, atenta para não chamar a atenção de algum dos felinos. Um contato direto com Duque provavelmente revelaria as minhas intenções.
Uma vez na cozinha peguei um copo de água e bebi lentamente observando atentamente todo o ambiente que continuava no mais completo silêncio.
Caminhei para uma das portas de saída da casa, mas a cada passo a lembrança de uma pergunta que fiz para Suzana aflorou em meus pensamentos. Os mestres são dependentes de seu humano e não pode viver muito tempo sem estar mentalmente ligado a ele. A frágil Amy poderia morrer com a minha fuga.
Hesitei em abrir a maçaneta da porta. Uma parte minha queria realmente deixar logo aquele local, mas outra parte não conseguia deixar de pensar na graciosa e indefesa Amy.
A lembrança de estar em transe com a mente vazia e sem sentimentos me machucava. Eu sei que a cada dia de mais intensa ligação mental com Amy mais eu voltarei a ser um robô. Isso me deu novas forças e abri a porta para o quintal.
Caminhei alguns passos sentindo na pele nua a brisa e a umidade da noite. Eu não poderia retornar para pegar roupas, isso seria muito arriscado.
Mais alguns passos e cheguei na porta externa para a rua. A minha liberdade nunca esteve tão próxima.
A minha cabeça doía. Eu não conseguia decidir se deveria voltar ou prosseguir com a fuga. Rodei a última chave que me levaria para a liberdade quando escutei o fraco miado atrás de mim.
Meu corpo congelou e lentamente me virei. Eu sabia que aquele miado pertencia a Amy. Eu não podia abandoná-la do lado de fora da casa, mas também não podia retornar.
Mesmo na escuridão eu podia enxergar os olhos de Amy a me encarar. Em algum tempo aquele olhar teria uma força irresistível, mas no momento isso não acontecia. Seu olhar de tristeza parecia saber que eu estava abandonando-a.
A decisão era inteiramente minha. Amy não exercia influência suficiente e a fraca ligação com Duque já não me impedia. Eu queria a minha vida de volta, mas não a teria por muito tempo junto de Amy.
Abri o portão um pouco, mas não consegui dar um passo para fora. O novo miado do filhote diminuiu a minha vontade.
Fechei o portão e peguei Amy no colo. Eu estava ciente do risco imenso que estava correndo. Duque ou Lila poderiam facilmente retomar a minha mente, mas eu precisava assegurar que Amy não morreria. Eu nunca poderia ser feliz sem ter essa resposta.
De volta a casa subi com Amy para o meu quarto, temendo encontrar um dos mestres antes de chegar a Suzana. Felizmente isso não aconteceu.
Fechei a porta e isso assegurou que nenhum dos mestres nos interromperia se já não estivesse no quarto. Acendi a luz e olhei sob as camas para confirmar que estávamos sozinhas, apenas com Amy no recinto.
Suzana já tinha despertado com a luz e me olhava com indiferença. Talvez os mestres já tivessem sido informados da minha atitude incomum. Com firmeza falei:
--- Eu tenho de volta a minha capacidade de decisões. Podia ter abandonado vocês e essa casa maldita, posso até esmagar esse filhote entre os meus dedos.
Eu sabia que jamais machucaria Amy, mas Suzana ou os mestres não saberiam. Eu ainda não sabia exatamente o que fazer, só não queria ver Amy morta e não queria ser novamente dominada por Duque.
As minhas palavras ouvidas por Suzana com certeza já tinham colocado os mestres a par da situação. Ela nada manifestou ou disse qualquer palavra e eu continuei:
--- Você está em contato com Duque, estou certa?
Sem expressar emoções ela respondeu afirmativamente e eu continuei:
--- Eu vou continuar aqui e vou cuidar de Amy, mas quero a minha liberdade de pensamentos. Não quero ser forçada a entrar em transe ou ter meus pensamentos restringidos.
Parei por um momento tentando sentir algo vindo do Duque, mas não consegui receber nada. Com voz ainda mais firme continuei:
--- Quando eu abrir a porta eu sei que o Duque poderá entrar e me dominar, mas em algum momento nos próximos dias eu serei capaz de recobrar temporariamente a minha vontade e prometo que Amy e nenhuma de vocês humanas estará segura quando isso acontecer.
Fiz uma nova pausa breve e por fim perguntei:
--- Duque concorda com as minhas condições?
Suzana abaixou a cabeça um pouco. Eu sabia que a comunicação deveria estar sendo bastante complexa. O silêncio e a minha ansiedade por uma resposta estavam ficando insuportáveis. Eu não tinha certeza se realmente poderia executar a minha ameaça e principalmente não tinha como saber como os gatos estavam enxergando a situação ou acreditando o que eu seria capaz.
Suzana levantou a cabeça e disse:
--- Eles aceitam as suas condições.
Com muito medo coloquei Amy no chão e segui para abrir a porta.
Continua…
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